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OS MISERÁVEIS
CRÍTICA de Malcon Bauer: Meu primeiro contato com a obra de Victor Hugo Os Miseráveis deu-se através de uma adaptação em quadrinhos estrelada pelo Tio Patinhas. Acredito que tenha sido marcante, pois nunca esqueci o nome dos personagens. Porém nunca li o o livro, e não sabia até que ponto a história havia sido suavizada para uma HQ. No que concerne ao musical, minha maior lembrança é aquela que a maioria das pessoa tem: "I Dreamed a Dream" cantada por Susan Boyle. E é isso. Fui assistir ao filme tendo apenas visto algumas cenas da montagem teatral no Youtube e sabendo que a história não devia terminar como no gibi.
A trama se passa no século XIX, quando Jean Valjean (Hugh Jackman, de X-Men) é condenado a prisão por roubar um pão. Tentativas de fuga aumentam sua pena para 19 anos, sempre sob os olhos do inspetor Javert (Russel Crowe, de Gladiador). Após ganhar a liberdade condicional e fracassar na tentativa de uma vida honesta, Valjean é salvo por uma alma nobre e decide fugir e reinventar-se. Acaba tornando-se um homem rico e próspero. Mas novas tragédias vão atingir sua vida e ele vê-se cuidando da jovem Cosette, que jurou proteger. Com Javert sempre em seu encalço, Valjean tenta dar uma vida digna para a menina. E isso é apenas o começo da história, que ainda envolve a Revolução Francesa e engloba algumas décadas.
O diretor Tom Hopper (oscarizado por O Discurso do Rei) imprime a palavra "épico" em cada fotograma do filme. Cenários gigantescos, multidões de figurantes e uma belíssima fotografia se encarregam de apagar qualquer sensação de "teatro filmado" que uma produção assim poderia possuir.
A grandiosidade da produção reflete, desta forma, o interior das personagens. Afinal, Os Miseráveis é uma história que lida com amor, ódio, obsessão, vingança e justiça de maneira profundamente exacerbada.
Praticamente não existem diálogos, e os personagens raramente param de cantar.O que pode ser o céu e o inferno, dependendo de seu apreço por musicais. Meu conselho é: "se não gosta, fique longe!"
O elenco é grandioso, e quase que totalmente acertado. Jackman está maravilhoso como Valjean, homem que atravessa décadas com uma terrível culpa na alma. Seus solos musicais são extremamente emocionantes.
Anne Hathaway (Batman- O Cavaleiro das Trevas Ressurge) brilha como Fantine. Sua interpretação de "I Dreamed a Dream" (praticamente um plano fechado e sem cortes) é de cortar o coração e merece todos os prêmios que a atriz vem recebendo.
Sacha Baron-Cohen (Borat) e Helena Bonhan-Carter (Sweeney Todd) estão fabulosos como os aviltantes Thénardiers, um mais que bem-vindo alívio cômico no meio de tantas desgraças que permeiam a narrativa.
Sobram ainda ótimos momentos para Eddye Redmaine (Marius, o amor de Cossete), Samantha Barks (Epónine, filha dos Thenardier) e Daniel Huttlestone (o garoto de rua Gavroche).
As ressalvas ficam para Russel Crowe e Amanda Seyfried (Mamma Mia!). O primeiro, apesar de ter o porte para Javert, nunca transparece os conflitos internos do personagem, parecendo estar apenas recitando as letras e sem dar-lhes significado. Uma falha grave. Já a segunda apenas não apresenta o frescor necessário para Cosette (curiosamente ele tinha muito disso em Mamma Mia!), não comprometendo muito o resultado.
É preciso também citar a ousadia de Tom Hopper, que gravou todas as canções ao vivo no set de filmagem, ao invés da tradicional pré-gravação em estúdios. Um trabalho difícil, mas que possibilita aos atores pequenas sutilezas de interpretação (uma voz mais embargada e que pode soar como uma faca no peito da platéia) que podem até deixar as canções imperfeitas mas que acrescentam humanidade e até um certo "naturalismo" para o gênero.
Grandioso e redentor, Os Miseráveis é um espetáculo de encher os olhos... às vezes de lágrimas.
CRÍTICA de Vicente Concílio: A adaptação cinematográfica do musical Les Misérables é daquelas coisas que eu espero desde a primeira vez que assisti ao espetáculo, na sua versão brasileira, feito que eu repetiria ainda mais uma vez durante o ano em que ele esteve em cartaz em São Paulo, no antigo Teatro Abril.
Mas antes mesmo de estar diante do
espetáculo, eu já conhecia suas músicas, em inglês, graças a dois CDs piratas
que continham a obra completa. Suas duas horas e meia de canções
conformam um estilo de musical típico do West End londrino, que pode ser considerado
uma ópera-pop contemporânea, e cujos maiores exemplos são os espetáculos de
Andrew Lloyd Webber (Evita, O Fantasma da Ópera e Cats). Dessa maneira, eles
são diferentes da tradição musical americana, em que canções se intercalam com
números de dança, na qual a presença de diálogos é constante.
Ou seja, esse Les Mis em tela grande é
uma versão do musical, que por sua vez é baseado no grande romance de Victor
Hugo, autor romântico francês que explorou, nessa obra, a relação entre a
justiça e a lei através da perseguição de Jean Valjean pelo seu antagonista
Javert. O primeiro é um ex-condenado que foge da condicional a fim de
reconstruir sua vida enquanto o segundo, para fazer valer a força da lei, se
confunde com o pior dos criminosos. Por meio dessa inversão de papéis, em que o
herói é um ladrão regenerado e o vilão é um representante de suposta
superioridade moral, Victor Hugo criou um verdadeiro jogo de gato e rato cujo
contexto fundamental é uma Paris borbulhante politicamente, na qual jovens idealistas
combatem a monarquia e tentam instaurar a república. Dessa forma, temas
grandiosos como a liberdade, a justiça divina e a dos homens, o amor e a
redenção permeiam toda a história.
O musical, portanto, exibe esse
universo através de uma orquestração grandiosa, alternando hinos
revolucionários a árias emocionantes, além de duetos amorosos e cenas cômicas,
com notável apelo emocional da audiência. A versão teatral era construída sobre
um palco giratório, oferecendo dinamismo às mudanças de espaço e ofereciam uma
qualidade particular à encenação, pois as mudanças eram visíveis e incorporadas
ao espetáculo, que fazia uso da teatralidade dessas trocas de maneira muito
interessante.
Nesta adaptação cinematográfica, sutis
mas importantes mudanças no libreto oferecem maior equilíbrio à narrativa. A
grandiosidade das panorâmicas enfatiza que estamos diante de um material épico,
imbuído temas sérios. Inicialmente, tudo funciona: é arrepiante quando o
protagonista, interpretado por Hugh Jackman, se depara com o Bispo,
interpretado aqui por Colm Wilkinson, exatamente o primeiro ator a fazer o
papel de Jean Valjean, quando o musical estreou. Jackman entrega uma
performance cheia de nuances na sua primeira grande canção, “Who am I?”, em uma
cena memorável. Seguem-se as esperadas aparições de Anne Hathaway como Fantine,
num exemplo de como um ator pode se apropriar de uma música e torná-la um
verdadeiro canal para interpretação, e a chegada do casal Thénardier, ponto
alto do musical, com a Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen provendo com
bom humor um material que prima pela sisudez.
A proposta de abrir mão da dublagem
das canções, oferecendo aos atores a possibilidade de cantá-las ao vivo, no
momento em que as cenas são gravadas, parece introduzir um frescor que contribui
para a tentativa de fornecer certa dose de realismo (tanto quanto podemos
entender o termo “realismo” em um filme musical) e autenticidade às situações
apresentadas.
Mas a dúvida é saber se tal proposta sustenta duas horas e meia de
filme. Na minha opinião, infelizmente, tal concepção é um tiro no próprio
coração do filme, sobretudo porque a escolha do elenco, obedecendo a critérios
outros que não a qualidade vocal dos atores-cantores, nos obriga, por
exemplo, a ver um Russel Crowe assassinar deliberadamente uma das mais
belas canções do musical, “Stars”. Desprovido de clareza vocal, toleramos, ao
longo de sofríveis 4 minutos, o ator grunhir em um registro vocal horroroso, a
canção que justifica sua ânsia por justiça. Parece que ele vai se engasgar na
própria incapacidade de emitir uma nota vocal fora desse ressonador bizarro que
ele utiliza durante o canto. E deveria, para o bem de nossos ouvidos.
Mas não é esse o único problema: o
suposto realismo também nos obriga a um esforço eterno de suspensão da
descrença ao longo do desenvolvimento da trama: personagens salvos por Valjean
ressurgem do nada para auxiliá-lo em momentos inverossímeis, e esse tipo de
coincidência (que funciona bem no teatro e no romance, diga-se de passagem),
que se repete como se a Paris do século XIX fosse uma aldeia de 150 habitantes,
vai destruindo nosso envolvimento, sobretudo quando a história dos
revolucionários assume o protagonismo. Começam a saltar aos olhos a cafonice de
certos elementos cenográficos (o jardim florido em que Marius e Cosette cantam
seu primeiro dueto é medonho) e ainda que Samantha Barks como Éponine e Edie
Redmayne como Marius sejam ótimos cantores, os temas musicais que começam a se
repetir fazem com que o filme perca sua vitalidade na hora final, o que é
terrível em uma obra que dura tanto tempo.
Transitando entre grandes achados
(sobretudo na mise en scène, ponto para o diretor Tom Hopper) e defeitos
imperdoáveis (o vibrato enjoativo de Amanda Seyfried), ainda considero esse Les
Misérabiles uma obra que vale muito ser vista, pois nas suas qualidades
enxergamos o grande filme que teria sido feito se, por exemplo, os roteiristas
tivessem aberto mão de algumas músicas e algumas estrelas do elenco tivesses
sido substituídas por verdadeiros cantores.
Não será muito barulho por pouco? Nunca li o romance, mas já assisti a pelos menos duas versões mais antigas. Até parece que nunca houve nenhuma filmagem anterior! Nem sempre grandiosidade misturado com tecnologia conseguem tornar a coisa melhor. Estou com um pé atrás, viu? Será que vou ter saco? Não sei se gostaria mais de uma refilmagem moderna de Ben-Hur, do que gostei do filme interpretado por Charlton Heston, por exemplo. Tenho prevenção contra essas coisas muito grandiosas que caem instâneamente na boca do povo.
ResponderExcluirBom, é a primeira versão do musical, o que já difere este filme de todas as versões anteriores. Quanto ao "ter saco", é uma questão de apreço ao gênero. Como eu disse, é um filme COMPLETAMENTE cantado. Fica a critério de cada um decidir ver um filme assim.
ResponderExcluirÉ um lindo filme, mas concordo que Russel é um ponto bem negativo, a falta de talento para o canto impedem as contradições profundas do persongem de aflorarem...queria destacar Eponine, personagem cativante, ótima atriz e a melhor voz do filme, seu canto doce e a beleza da interpretação me envolveram e o destino do personagem me fez chorar...deveria ter mais destaque, visto que Cosette é uma chata aguda. Na adaptação para a linguagem cinematográfica acho que alguns solilóquios (elemento típico da linguagem teatral) de Jean, especialmente na segunda parte, tornam-se monótonos. Mesmo assim, o resultado final é emocionante.
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